Da produtividade na França e na Alemanha - por Thomas Piketty

Por Thomas Piketty (tradução livre)
Publicado em 05/01/2017

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No início do ano de 2017, ao passo que vão se desenrolar as eleições francesas na primavera depois eleições na Alemanha em outono, não é inútil de se lembrar sobre um dos assuntos de fundo que minam o debate europeu, a saber: a suposta assimetria econômica entre uma Alemanha reputada prospera e um França descrita como declinante. Eu digo “suposta” porque, como nós vamos o ver, a produtividade das economias alemãs e francesas – tal que medida pelo PIB por hora trabalhada, que é de longe o indicador o mais pertinente de performance econômica – se situa a níveis quase idênticos. E além disso ao mais alto nível mundial, isso que mostra à passagem que o modelo social europeu tem belos dias diante dele, em que pesem os Brexiters e os Trumpistas de todos os tipos. Isso me permite também rever sobre vários temas abordados sobre o blog no curso do ano de 2016 (em particular sobre a longa recessão europeia e a reconstrução da Europa) assim como em minha crônica “Renda Básica ou salário justo?”, do mês anterior.

Comecemos pelo fato o mais impactante. Se se calcula a produtividade média do trabalho em dividindo o PIB (produto interior bruto, é dizer, o valor total dos bens e serviços produzidos em um país ao curso de um ano) pelo número total de horas trabalhadas (assalariados e não assalariados confundidos), então se constata que a França se situa quase ao mesmo nível que os Estados Unidos e que a Alemanha, com uma produtividade média próxima de 55 euros por hora trabalhada em 2015, sendo mais de 25% elevado que o Reino Unido ou a Itália (próximo de 42 euros), e perto de três vezes mais elevado que em 1970 (menos de 20 euros em 2015; todos os números são exprimidos em paridade de poder de compra e em euros de 2015, é dizer, após colocar em conta a inflação e o nível de preços nos diferentes países).



De imediato precisamos que os dados dos quais dispusemos para mediar os números de horas trabalhadas são imperfeitos e que a precisão dessas medidas não deve ser exagerada. Por outro lado, a noção mesmo de “PIB por hora trabalhada” é por consequência bastante abstrata e reduzida. Em realidade, é o conjunto do sistema econômico e da organização do trabalho e da produção de cada pais que entram em jogo nessas comparações, com infinitas variações entre setores e empresas, e é largamente ilusório de pretender resumir tudo isso com um indicador apenas. Mas quite para fazer comparações de produtividade entre países (exercício que pode ser útil se se conhece os limites, e que pode permitir de exceder os prejuízos nacionalistas e de fixar algumas ordens de grandeza), então o PIB por hora trabalhada é a noção que tem mais sentido.

Precisamos também que as séries de tempo de trabalho que nós utilizamos aqui são aquelas da base de dados da OCDE. O arquivo contendo todos os detalhes das séries e dos cálculos está disponível ao fim deste artigo. Das séries internacionais de tempos de trabalho são igualmente estabelecidas pelo BLS (Bureau of Labor Statistics do governo federal americano), e o detalhe dos resultados obtidos pelo BLS está ele também disponível mais abaixo. Além das leves diferenças entre séries, todas as fontes disponíveis – em particular OCDE e BLS – confirmam que o PIB por hora trabalhada se situa grosso modo ao mesmo nível em França, em Alemanha e nos Estados Unidos (com diferenças entre esses três países totalmente fracas que é sem dúvida impossível de os distinguir claramente, tendo em conta imprecisão da medida), e que países como o Reino Unido, Itália, ou o Japão se situam cerca de 20-25% mais baixo. No estado atual dos dados disponíveis, essas ordens de grandeza são consideradas como válidas.

É preciso também notar que nenhum país no mundo não excede de modo significativo o nível de produtividade do trabalho observado na França, Alemanha e Estados Unidos, ou, de todo o menos, nenhum país de tamanho e de estrutura econômica comparáveis. Observa-se certos PIBs por hora trabalhada sensivelmente mais elevados nos países de pequeno tamanho repousando sobre estruturas produtivas muito específicas, por exemplo países petrolíferos (Emirados ou Noruega) ou paraísos fiscais (Luxemburgo), mas isso decorre de lógicas fortemente diferentes.

Em percebendo o número de 55 euros de produção média por hora trabalhada em França hoje, alguns leitores serão talvez tentados de ir ver seu patrão para negociar um aumento. Outros, mais numerosos ainda, colocarão questões sobre a significação desse número. Então precisamos tornar claro que se trata de uma medida: a produção média de bens e serviços por hora trabalhada pode ser de 10 ou 20 euros em alguns ofícios e setores, e de 100 ou 200 euros por hora em outros (não necessariamente os mais peníveis). E não é excluir evidentemente que, no jogo das negociações salariais e das relações de força, alguns se apropriam de uma parte da produção dos outros. Esta produção média de 55 euros por hora trabalhada não diz nada dessas sutilezas.

Precisamos também que a noção de “produto interior bruto” (PIB) coloca numerosos problemas. Em particular, seria preferível que os institutos estatísticos se concentrem sobre o “produto interior líquido”, isto é, após a dedução da consumação de capital fixo, que corresponde à depreciação do capital e dos equipamentos (reparação dos prédios e das máquinas, substituição dos computadores, etc.). Esta depreciação do capital não constitui em efeito uma renda por pessoa, nem para os salários nem para os acionistas, e por outro ela tem tido tendência a progredir ao curso do tempo. A consumação de capital fixo representaria em torno de 10% do PIB nas economias desenvolvidas nos anos 1970, e ela excede hoje 15% do PIB (sinal da obsolescência acelerada dos equipamentos). Isso significa que uma (pequena) parte do crescimento da produtividade do trabalho medido mais alto é uma ilusão. Não obstante, se se tomasse corretamente em conta a consumação de capital natural, então uma parte do crescimento do PIB mundial dispararia (as extrações anuais de recursos naturais avizinham o crescimento mundial do PIB, sendo próximo de 3% por ano atualmente, e tendendo a progredir ao curso do tempo, seguindo como se os valoriza). Mas ainda lá isso não afetaria as comparações entre países que nos interessam aqui.

Precisamos enfim que a produtividade média de 55 euros por hora indicada mais alta integra a parte dos benefícios (tipicamente entre 20% e 40% seguindo os setores e a intensidade capitalística), e que se trata de uma medida antes colocada em conta de todos os impostos diretos e indiretos (TVA, diversas taxas sobre a produção, etc.) e de todos as contribuições sociais. Há por consequência um longo caminho a percorrer entre esses 55 euros e o salário líquido percebido por cada um sobre sua folha de salário, da qual a exposição excederia de muito o quadro deste artigo, cujo objetivo primeiro é simplesmente de comparar os níveis de produtividade entre países.

Um outro modo de exprimir os resultados indicados mais ato consiste em medir a produtividade de cada país por comparação com a produtividade observada nos Estados Unidos, que tem sido por muito tempo muito avançado sobre os outros. Obtém-se então os seguintes resultados:


Para resumir: a França e a Alemanha tiveram uma produtividade da ordem de 65-70% do nível americano em 1970; os dois países romperam totalmente seus retardos ao curso dos anos 1970-1980, e se situam desde 1990 grosso modo a mesmo nível que os Estados Unidos (um pouco acima até a crise de 2008, um pouco abaixo desde então, mas com diferenças relativamente fracas; pode-se por outro lado esperar que a zona do euro termine por gerar sua saída da crise melhor que ela não o tenha feito até o presente).

Se se voltar ao imediato pós Segunda Guerra Mundial, onde a produtividade franco-alemã era à pena de 50% do nível americano, o alcance ao nível seria ainda mais impactante. É preciso também lembrar que o retardo europeu em termos de produtividade viria de bem mais longe ainda (era já muito forte ao século 19 e ao início do século 20, à véspera da Primeira Guerra mundial, e apenas tinha sido amplificado pelas guerras), e se explica classicamente por um relativo retardo educativo: a fraca população americana é inteiramente alfabetizada desde o início do século 19, ao passo que é preciso esperar o fim do século para que seja o mesmo em França, em um momento onde os Estados Unidos já passaram à etapa seguinte (o ensino secundário de massa, depois o superior). É o investimento educativo das Trinta Gloriosas que permite à França e à Alemanha de efetuar um alcance histórico sobre os Estados Unidos entre 1950 e 1990. A realidade em jogo hoje é de manter e de amplificar esta evolução.

Ao inverso, o retardo persistente da produtividade britânica, que jamais atingiu o nível americano, é geralmente atribuído às fraquezas históricas de seu sistema de formação. Do mesmo modo, a queda na frequência escolar da Itália desde os meados dos anos 1990 pode explicar por parte, após um estudo recente, pela insuficiência dos investimentos educativos realizados pelo poder público italiano (engolido no pagamento de uma dívida pública interminável, da qual a França e a Alemanha podem se livrar na inflação e as anulações da dívida no pós-guerra).

É preciso também sublinhar que a forte produtividade americana atual se acompanha de uma desigualdade considerável: os Estados Unidos eram mais próximos à velha Europa no século 19 e até ao meio do século 20, mas eles se tornaram no curso das últimas décadas bem mais diferentes, com um contraste impressionante, em particular no setor educativo, entre de um lado de excelentes universidades ao topo da hierarquia (infelizmente reservados aos mais favorecidos), e de outro um sistema secundário e superior relativamente medíocre acessível ao mais grande número. Isso contribui largamente para explicar porque as rendas dos 50% dos americanos os mais modestos não conhecem nenhum aumento desde 1980, ao passo que as rendas dos 10% os mais elevados beneficiaram de fortes progressões (ver este estudo recente).

Sem cair no triunfalismo (especialmente mais incongruente que os desafios a satisfazer são numerosos, por começar pela evolução demográfica na Alemanha e a modernização do sistema fiscal-social no hexágono), muito é de constatar que o modelo social, educativo e econômico construído na França e na Alemanha é mais satisfatório: esses dois países alcançam a mais alta produtividade mundial, assim como a produtividade americana, mas com uma distribuição muito mais igualitária.

Examinamos agora o PIB por habitante. Constata-se que é por volta de 35.000 euros por ano (um pouco menos de 3.000 euros por mês) em Europa – um pouco em Alemanha, um pouco menos em França e em Reino Unido –, sendo cerca de 25% mais fraco que os Estados Unidos (cerca de 45.000 euros por ano):


Mas o ponto importante é que o PIB por habitante mais elevado nos Estados Unidos provém unicamente de um número de horas trabalhadas mais elevadas, e não de uma produtividade mais elevada que a França e a Alemanha. Da mesma maneira, é unicamente graça a mais longas horas de trabalho que o Reino Unido consegue por compensar sua mais fraca produtividade e por isso se içar ao mesmo nível de PIB por habitante que a França:


Para melhor compreender essas diferenças de horas trabalhadas, é preciso distinguir o que releva do número de horas trabalhadas por emprego e o que releva do número de empregos por habitante. Começamos pelo número de horas trabalhadas por emprego:


Constata-se que a duração anual média do trabalho por emprego é mais fraca em Alemanha que em França (consequência de um mais forte desenvolvimento do tempo parcial, que não é sempre escolhido, mas que pode ser mais satisfatório que a ausência completa de emprego). Além dessa leve diferença, constata-se ainda uma certa proximidade entre as trajetórias da França e da Alemanha: esses dois países escolheram de utilizar o forte crescimento das Trinta Gloriosas para reduzir sensivelmente a duração do trabalho desde os anos 1960, passando assim de uma duração média de perto de 2000 horas por ano em 1970 (que corresponde grosso modo a 42 horas por semana durante 48 semanas por ano) para menos de 1500 horas por ano hoje (sendo cerca de 35 horas por semana durante 44 semanas por ano). Ao inverso, os Estados Unidos e o Reino Unido quase não reduziram seus tempos de trabalho, se bem que as semanas permaneceram mais longas e as férias remuneradas mais reduzidas (frequentemente limitadas a 2 semanas, além de feriados).

Eu não busco evidentemente por pretender que seja sempre preferível de reduzir o tempo de trabalho e de alongar as férias, e a questão do ritmo ao qual o tempo de trabalho deve ser reduzido é um problema eminentemente complexo e delicado. Mas ele parece clarear que um dos objetivos do crescimento da produtividade no longo prazo é de permitir de beneficiar mais tempo para a vida privada, familiar, cultural e recreativa, e que as trajetórias da França e da Alemanha parecem melhor tomar em conta este objetivo que as trajetórias dos Estados Unidos e do Reino Unido.

Veremos agora o que vai muito menos bem, por começar pela fraqueza da taxa de emprego francesa, da qual a diferença com a taxa de emprego alemão foi relativamente reduzida e 2005 (apenas dois pontos de diferença: 42 empregos para 100 habitantes em França, 44 em Alemanha), e agravou consideravelmente desde a crise (mais de sete pontos de diferença, com uma taxa de emprego de 42% em França, contra mais de 49% em Alemanha):


Se se decompõe essas evoluções por faixas de idade, constata-se que a taxa de emprego dos 25-54 anos era sempre da ordem de 80% em França como nos outros países, e que é entre os 15-24 anos e os 55-64 anos que a diferença se agrava nesses últimos anos, a ritmo da progressão do desemprego.

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